Muitos cristãos decoram trechos da Bíblia. Talvez o texto mais conhecido é o Salmo 23. Gostaria de convidar você, meu querido leitor, para juntos analisarmos a mensagem de Deus através deste Salmo.
Neste Salmo Davi demonstra ao seu povo como confiar no Senhor. A confiança de Davi não foi vã. Podemos notar isso na sua história, ele foi um rei vitorioso porque o Senhor lhe deu vitória por onde quer que ele fosse (2 Sm 8.14). como rei vitorioso, ele foi um bom pastor para o povo de Deus. Davi, como governador, é descrito como tendo feito o que era justo e direito para todo o seu povo. Ele conhecia a vontade revelada de Deus, dada através de Moisés e os profetas Samuel, Gade e Natã. Ele reinou de acordo com a vontade de Deus. Provou que amava a lei de Deus (Sl 19.7-11). E aplicou a lei; ao fazer isso, seu reinado foi apropriadamente citado como justo (2 Sm 8.15). O povo foi abençoado, pois tinha um rei que vivia e reinava em comunhão com Deus e submisso à sua vontade. Não podemos nos esquecer que Davi pecou mas, Deus revelou que a sua graça era abundante. Davi foi perdoado; ele foi abençoado e regozijou-se no amor infalível do Senhor (Sl 32.1, 2, 10, 11).
A própria história de Davi reforçava a mensagem do salmo 23, para o povo hebreu. Davi, como mediador pactual real, deveria confiar em Deus, e transmitir essa confiança através de seus salmos. Essa breve recapitulação da vida de Davi nos ajuda a compreender melhor o texto.
Essa importância é um reflexo por Davi ser um mediador pactual real, que recebeu a garantia da continuidade da dinastia, não era um marido e pai obediente. Ele não cumpriu a vontade de Deus com respeito à educação de seus filhos (Gn 18.19, 20; Dt 6.4-9; Sl 78.1-8). Assim como Samuel havia falhado, Davi também falhou.
Mas, os propósitos de Yahweh não seriam frustrados. Davi falhou; a semente de Davi cometeu adultério assim como Davi havia cometido, e a semente derramou sangue de seus irmãos. Satanás tirou vantagem de cada oportunidade, mas Yahweh prevaleceu. Seus propósitos continuaram firmes. Vemos na vida de Davi e na vida do povo da aliança os cuidados de Yahweh.
O termo Yahweh não deveria ser traduzido para o português. O termo “Senhor” não expressa bem o significado de Yahweh no salmo 23. Yahweh nos mostra Deus como uma Pessoa, e assim o leva a ter relação com outras personalidades humanas. Esse nome traz Deus bem perto do homem, pois Ele se refere aos patriarcas como um amigo se refere a outro. Peter C. Craigie nos mostra que nos “quatro primeiros versos contém a extensa metáfora: Deus é o Pastor[1]”. O ponto principal dessa metáfora é expresso na relação da proteção e provisão de Yahweh para Davi e seu povo.
Deus, o nosso pai, cuida de cada um de nós como se fossemos o único que Ele teria para cuidar; Ele cuida “pessoalmente” de nós. As nossas orações são o testemunho desta certeza. O Deus que preservou a vida de Elias, enviando os corvos para lhe levarem alimento (1 Rs 17.1-6), é o mesmo que é nosso Pai onisciente e providente. Portanto, podemos fazer eco ao testemunho de fé e vida de Davi: “O senhor, tenho-o sempre à minha presença; estando Ele a minha direita não serei abalado” (Sl 16.8).
Davi, que excedia tanto em poder quanto em riquezas, não obstante confessa francamente não passar de uma pobre ovelha, com intuito de fazer de Deus o seu pastor.
No salmo 23 o salmista mostra o cuidado de Yahweh pelo seu povo. Além da metáfora do pastor, Davi mostra que Yahweh cuida amorosamente de seu povo, através das metáforas Ele me fará Repousar..., me levará..., ele me refrigerará... e Ele me guiará. Notemos que nos versos 2 e 3 o salmista demonstra que Yahweh dá o melhor para o seu povo.
Sob a similitude de um pastor, ele enaltece o cuidado com que Deus, em sua providência, havia exercido para com ele. Sua linguagem implica que Deus não tinha menos cuidado para com ele do que um pastor tinha para com as ovelhas que eram postas em sua responsabilidade.
Um pastor humano pode, de quando em quando, mostrar-se descuidado ou ineficiente, mas isso não ocorre com Yahweh. Deus na Escritura, freqüentemente toma sobre si o nome e assume o caráter de um pastor, e isso de forma alguma é o emblema de um frágil amor por nós. Derek Kidner salienta que “o pastor, ao contrário, vive com seu rebanho, sendo tudo para ele: guia, médico e protetor[2]”.
Apos Davi afirmar que Yahweh o pastoreia, demonstrando o seu cuidado, Davi afirma: “de nada sentirei falta”. Esta frase demonstra a confiança na providência de Deus. Ele relata quão ricamente Deus o proverá em todas as suas necessidades, e faz isso sem apartar-se da comparação que empregara no início.
Em tudo vemos o cuidado e a providência de Deus para o povo da Aliança. E aqui não é diferente. Deus pastoreia o seu rebanho através da Sua divina providência.
Outro aspecto importante do texto está no verso 3 “por amor do seu nome”. Esta sentença demonstra que tudo que Deus faz por nós Ele o faz por amor ao seu nome, para cumprir a Sua Palavra. Esta verdade é confirmada no Salmo 89.34 “Não violarei a minha aliança, nem modificarei o que os meus lábios proferiam”. Yahweh nos sustenta e nos guia cumprindo assim a Sua Aliança. Deus é fiel em cumprir a aliança que fizera com o seu povo. “Achei Davi meu servo; com o meu santo óleo o ungi.... a minha aliança com ele será firme e conservarei para sempre a sua descendência e o seu trono, como os dias do céu” ( Sl 89. 20-29, 34-37; II Sm 7.8-16; Is 9.7).
Com Davi Yahweh institucionalizou a monarquia na Aliança, e a respectiva dinastia. Com Davi completou-se e se consolidou a posse de Canaã pelo povo da Aliança. Ao morrer Davi não lembra suas vitórias, seu prestigio, sua riqueza, a herança que deixa: ele lembra as promessas de Yahweh e o esplendor que está para vir. Promessas essas cumpridas “por amor do seu nome”.
Outra questão muito importante está no verso quatro, o “vale da sombra da morte”. Usa-se figuradamente a palavra “vale” para designar um obstáculo que tem de ser transposto (Is 40.4) e um sério perigo que alguém pode experimentar (Sl 23.4). Alguns estudiosos defendem que os vales que são citados no verso quatro eram vales escuros, as montanhas não deixavam que a luz do sol iluminasse o vale, este vale se tornava perigoso e era necessário que o pastor acompanhasse de perto o seu rebanho para livra-lo do perigo escondido na escuridão. “Sombra” - Em hebraico essa é a palavra mais forte para trevas. Uma vez que o ser humano utiliza as trevas como recurso para realizar seus feitos lastimáveis, o terror associado às trevas espessas se torna sua experiência matutina (Jó 24.16). Não existe, porém, lugar suficientemente escuro que possa ocultá-lo dos olhos de Deus (Jó 34.22). Ademais, as trevas profundas jamais ameaçam a Deus; elas não o aterrorizam. Não importa quão escuro seja um lugar, pois Deus conduzirá o seu povo por esse lugar de modo que este povo não temerá mal algum e será confortado pela vara e o cajado de Deus.
Os verdadeiros crentes, ainda que habitem seguros sob a proteção de Deus, estão, não obstante, expostos a muitos perigos, ou, melhor, são passiveis de todo gênero de aflições que sobrevêm à humanidade em comum, para que eles possam melhor sentir o quanto necessitam da proteção divina.
João Calvino, em seu livro “A Verdadeira Vida Cristã”, afirma que “se considerarmos a enorme quantidade de acidentes aos quais estamos sujeitos, veremos o quão necessário é exercitarmos nossa mente desta maneira. Enfermidades de todos os tipos tocam nossos débeis corpos, uma atrás da outra: ou a pestilência nos enclausura, ou os desastres da guerra nos atormentam. Em outra ocasião, as geadas e os granizos destroem nossas colheitas, e ainda somos ameaçados pela escassez e a pobreza, em vista destes acontecimentos, as pessoas maldizem suas vidas, e até o dia em que nasceram; culpam o sol e às estrelas, e ainda censuram e blasfemam a Deus, como se Ele fora cruel e injusto[3]”. Em meio às dificuldades da vida só em Yahweh encontraremos confiança.
Somente Yahweh pode guiar o homem através da morte. Davi ora e declara que enquanto estiver exposto a algum perigo, contará com suficiente defesa e proteção, estando sob o cuidado pastoral de Deus.
O que vemos no verso cinco é que há neste mundo, inimigos ao redor do povo da aliança, tanto humanos como demoníacos, mas Yahweh supre todas as nossas necessidades “bem na presença de nossos adversários”. A mesa representa um costume da época, a celebração da vitória, e esta seria perante os seus inimigos. O salmista mais uma vez declara a sua confiança em Yahweh. Quanto ao óleo era usado nas mais magnificentes festas, e ninguém imaginava ter honrosamente recebido seus convidados se não os perfumasse imediatamente. Mas tanto o óleo como o transbordar do cálice, devem ser explicados como que denotando a abundância que vai além do suprimento das necessidades da vida.
O sexto e ultimo verso do salmo 23, nos mostra a visão escatológica de Davi. Uma visão de confiança. A misericórdia de Yahweh esta diretamente relacionada com a fidelidade e as obrigações da aliança explícitas ou implícitas. De fato, há um relacionamento presente (o amor quase torna necessária a relação sujeito-objeto), mas a misericórdia é gratuitamente concedida. A casa de Yahweh era a mais importante em Israel, naturalmente, era a casa do Senhor, primeiramente mencionada na literatura extra bíblica na óstraca de Arade. Pelo fato de o Senhor estar singularmente presente aqui, o salmista celebrava Sião e ansiava para aparecer diante dele em adoração. Neste texto ela representa a casa de Yahweh, não tem outro sentido.
Davi demonstra confiança na aliança de Yahweh, crendo que as promessas de Yahweh são eternas. Sobre esta certeza Boanerges Ribeiro escreve que Davi “morreu sem queixas, abraçado à promessa divina de que um rei de sua linhagem viria realizar todas as promessas da Aliança do Senhor[4]”. Esse salmo nos ensina a confiar eternamente no cuidado de Deus pelo Seu povo.
O Salmo 23 nos conforta em tempos de crise. Devemos confiar em Deus, tendo em nossas mentes que Ele é o nosso Pastor. Que você, caro leitor, possa confiar em Deus como o Rei Davi confiou, e que Deus lhe abençoe. Pastor João Marcus Cabral
[1] Peter C. Craigie, Word Biblical, Word Books, Texas, 1983. pg . 205.
[2] Derek Kidner, Salmos 1-72 Introdução e Comentário, Vida Nova, São Paulo, 1992. pg . 128.
[3] João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, Novo Século, São Paulo, 2000.
[4] Boanerges Ribeiro, Aliança da Graça, Associação Evangélica Reformada Presbiteriana, São Paulo, 2001. pg 81.
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